3 poemas de Ma Njanu

Lucas Litrento

Lucas Litrento

olhos

nos olhos dessa mulher encontrei fogo 
e toda febre circular ao instante breve da recusa 

há milhares de conflitos em seus ossos 
                      [como ventania 
                      nenhuma mão 
                      copando as árvores] 

ela ressoa 

            erguer-se é um ato [tão breve quanto] 

que diriam da violência as pequenas amêndoas 
cintilando o decurso do tempo? 

das inquisições 
o silêncio 
a vastidão 
cega 
de seus cavalos? 

no fogo dessa mulher não dormem os ossos 
no entanto seus olhos 
são dois peixes

Ode a Stella

corre o risco de não saber 
a zona estéril e árida 
uma cabeça que diz 
uma cabeça que fala 
na terra inimiga 
uma cabeça que cala 
o fundamento kaiala 
na terra inimiga 
uma cabeça que pensa 
zona estéril e árida 
na terra inimiga 
protege a macala

PONTE VELHA

Os meninos estão na praia, theo 
se o barco vai à deriva como você ressoa 
não veríamos seu titubeio sua proa suas trovas 
quando guardam – por bem-querer e mistério 
o negrume da noite 

UMA PRETITUDE que sobe à superfície das águas durante uma tempestade 
revirando musgos enrijecidos nos ossos e suas caveiras flutuantes que não 
                                                                                                            [negam  
assombro O PASSADO NUNCA EXISTIU tanto como se levanta agora 

nem o que se pretende abissal ante o ciclone permanece intacto 
TUDO o vento virou 

Este barco muito longe da praia, muito perto de ti, que me dizia há poucas 
                                                                                                              [horas 
continue a canção não deixe meu ruído cair 

Os ruídos são como conchas 
adormecem sob os luzeiros 
suas três línguas constituíam-me os dentes e todo o som da minha fúria 
que apesar da terra ecoou a ti – que está na praia 

Absurda – a noite é fria – você não 
você não teme 
você não gela 

VOCÊ NÃO SE ASSUSTA MAIS
Saiu do fosso enfeitou meus fracassos 
forjou força particular maior desconhecida 
chorou ao lado de minha mãe 
seguiu religiosamente o não definido em nenhum roteiro e das suas costas 
                                                                                            [lanhos de silêncio 
talhados um a um e sem paciência 
porque os ruídos como as conchas arranham
 
Os ruídos são como búzios que balbuciam que bocejam que balançam 
                                                                                            [no problema 
da metáfora ou da vida – como queiram 
Os meninos estão na praia você está com eles e eu também 
meu corpo esgueira como para demover a ponte ao sonho antes de 
encerrar de vez meu portal 
nosso elo mais alto nosso ponto mais alto nesse poema 

Aqui escrevi sobre porquê não se pode nadar muito perto da draga 
                                                                                        [sobre cartas  
navegando rumo ao coração duma estranha sobre quão efêmero tu tens sido  
decorridos poucos dias do teu assassinato 

a vida é assim mesmo 
mas não há costume que permaneça 

procurando por você é verdade eu desregulei todas as métricas para ouvir 
                                                                                                     [para saber  
os contornos da tua voz 
(também antes do silêncio ao qual você se abraçou até o momento final da
                                                                                                             [tua tez  
altiva) 

theo 
Você amou 
Você traçou o mesmo plano que hoje eu estendo na beira da praia
é por isso que somos íntimos é por isso que você me assombra 
você menino eu menina e nossas mães um dia – à menor oportunidade 
sentirão as mesmas dores porque não puderam nos proteger do detalhe 

que o mundo quebra mesmo theo 
que o mundo passa por cima o mundo não poupa o mundo pesa 
o mundo cai 
às vezes como faísca bem na brecha desse lanho 

Que o mundo não sabe o que é piedade 
e como o mundo nós também não sabemos 
Não queremos ser piedosos 

Daí o alvo a mira o fito esteja lançado precisamente agora na ponta da caneta

Ma Njanu é poeta e artista visual. Integra e articula a Pretarau – Sarau das Pretas e a Rede de Mulheres Negras do Ceará. Publicou ‘na boca do dragão da américa latina’ (2020) e ‘olho de tigre com fome: considerações sobre a literatura perversa’ (2020), ambas edições da autora. Gosto muito de pedras (2022) é sua mais recente publicação.

Os 3 poemas fazem parte da zine “gosto muito de pedras”. Sobre a obra: fazer poemas com pedras é um bom motivo pra não parar no caminho, porque as pedras são oráculos, quem fala com as pedras se banha no segredo / toda pedra é um poema toda pedra é feiticeira toda pedra tem cabeça / às vezes as pedras não pesam, adornam / às vezes as pedras não doem, cuidam / Taturak sabe o que é amizade, ri, chora, tem humor e personalidade / Otá é de grande fundamento / nem tudo que sonha é humano. Para adquirir a zine basta entrar em contato com a autora pelas redes sociais (@mameninama).

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