olhos
nos olhos dessa mulher encontrei fogo e toda febre circular ao instante breve da recusa há milhares de conflitos em seus ossos [como ventania nenhuma mão copando as árvores] ela ressoa erguer-se é um ato [tão breve quanto] que diriam da violência as pequenas amêndoas cintilando o decurso do tempo? das inquisições o silêncio a vastidão cega de seus cavalos? no fogo dessa mulher não dormem os ossos no entanto seus olhos são dois peixes
Ode a Stella
corre o risco de não saber a zona estéril e árida uma cabeça que diz uma cabeça que fala na terra inimiga uma cabeça que cala o fundamento kaiala na terra inimiga uma cabeça que pensa zona estéril e árida na terra inimiga protege a macala
PONTE VELHA
Os meninos estão na praia, theo se o barco vai à deriva como você ressoa não veríamos seu titubeio sua proa suas trovas quando guardam – por bem-querer e mistério o negrume da noite UMA PRETITUDE que sobe à superfície das águas durante uma tempestade revirando musgos enrijecidos nos ossos e suas caveiras flutuantes que não [negam assombro O PASSADO NUNCA EXISTIU tanto como se levanta agora nem o que se pretende abissal ante o ciclone permanece intacto TUDO o vento virou Este barco muito longe da praia, muito perto de ti, que me dizia há poucas [horas continue a canção não deixe meu ruído cair Os ruídos são como conchas adormecem sob os luzeiros suas três línguas constituíam-me os dentes e todo o som da minha fúria que apesar da terra ecoou a ti – que está na praia Absurda – a noite é fria – você não você não teme você não gela VOCÊ NÃO SE ASSUSTA MAIS Saiu do fosso enfeitou meus fracassos forjou força particular maior desconhecida chorou ao lado de minha mãe seguiu religiosamente o não definido em nenhum roteiro e das suas costas [lanhos de silêncio talhados um a um e sem paciência porque os ruídos como as conchas arranham Os ruídos são como búzios que balbuciam que bocejam que balançam [no problema da metáfora ou da vida – como queiram Os meninos estão na praia você está com eles e eu também meu corpo esgueira como para demover a ponte ao sonho antes de encerrar de vez meu portal nosso elo mais alto nosso ponto mais alto nesse poema Aqui escrevi sobre porquê não se pode nadar muito perto da draga [sobre cartas navegando rumo ao coração duma estranha sobre quão efêmero tu tens sido decorridos poucos dias do teu assassinato a vida é assim mesmo mas não há costume que permaneça procurando por você é verdade eu desregulei todas as métricas para ouvir [para saber os contornos da tua voz (também antes do silêncio ao qual você se abraçou até o momento final da [tua tez altiva) theo Você amou Você traçou o mesmo plano que hoje eu estendo na beira da praia é por isso que somos íntimos é por isso que você me assombra você menino eu menina e nossas mães um dia – à menor oportunidade sentirão as mesmas dores porque não puderam nos proteger do detalhe que o mundo quebra mesmo theo que o mundo passa por cima o mundo não poupa o mundo pesa o mundo cai às vezes como faísca bem na brecha desse lanho Que o mundo não sabe o que é piedade e como o mundo nós também não sabemos Não queremos ser piedosos Daí o alvo a mira o fito esteja lançado precisamente agora na ponta da caneta
Ma Njanu é poeta e artista visual. Integra e articula a Pretarau – Sarau das Pretas e a Rede de Mulheres Negras do Ceará. Publicou ‘na boca do dragão da américa latina’ (2020) e ‘olho de tigre com fome: considerações sobre a literatura perversa’ (2020), ambas edições da autora. Gosto muito de pedras (2022) é sua mais recente publicação.
Os 3 poemas fazem parte da zine “gosto muito de pedras”. Sobre a obra: fazer poemas com pedras é um bom motivo pra não parar no caminho, porque as pedras são oráculos, quem fala com as pedras se banha no segredo / toda pedra é um poema toda pedra é feiticeira toda pedra tem cabeça / às vezes as pedras não pesam, adornam / às vezes as pedras não doem, cuidam / Taturak sabe o que é amizade, ri, chora, tem humor e personalidade / Otá é de grande fundamento / nem tudo que sonha é humano. Para adquirir a zine basta entrar em contato com a autora pelas redes sociais (@mameninama).